o corpo perfeito

Aléxia Borgonovo Hetka
3 min readAug 5, 2021
Carole Raddato via Flickr

sem querer ofender nenhum desenhista, mas delinear o tal do corpo perfeito no papel é fácil. se falamos do biologicamente feminino, você começa com a testa, traça o nariz pequeno e fino, os lábios carnudos e vai direto para o pescoço sem uma ruga sequer. aí vem o contorno dos seios, empinados e redondos como uma bola. então, uma linha que desce até os pés praticamente reta. nas costas, mais diversão aguarda: a descida até a cintura é sutil o bastante para dar atenção à curva “principal”. o ápice, a piéce de resistance, o imbatível, inegável, lisíssimo e invicto bumbum.

porra, assim até eu.

quero ver desenhar um corpo de verdade. e, contra anos de insegurança, decidi usar o meu de exemplo para essa peça. vamos lá: as costas já começam com a leve corcunda de alguém que só tem amigos mais baixos e móveis não desenhados para sua estatura. aí chegamos no bumbum, que mais parece um gif de gelatina que travou no meio do caminho. não, meus caros, o bumbum não é só uma curva.

os peitos, já meio caídos (e aqui não sei nem dizer ao que os comparo. uma imagem cheia de photoshop numa revista? um anime desenhado por alguém que parece nunca ter visto peitos na vida real?) e, definitivamente, assimétricos. e aí, chegamos na parte mais polêmica.

perdi a conta do tanto de vezes que já me olhei no espelho e pensei que, um dia, quando estiver grávida, ninguém vai notar a diferença.

a linha não é reta desde, sei lá, meus sete anos (quando, sinceramente, eu até parecia mal nutrida). nunca mais foi, nunca mais será, e eu sinto muito pelas mulheres que ainda não descobriram que esse. é. o. normal.

no meu caso, é uma apontada pra frente, bem na altura do estômago (onde seu corpo propositalmente guarda mais gordura para proteger seus órgãos no frio – e eu moro em curitiba, então fale o que for, mas lá em curitiba… eu preciso guardar bastante gordura).

pensamentos aleatórios que já me ocorreram (você vai ver muitas intervenções dessas, considerando que vêm de um cérebro lidando com ansiedade há mais ou menos dez anos): se eu fosse famosa, sairia toda hora em tabloides notícias falsas de que eu estava grávida. até que um dia eu ia fazer um post com um texto tipo esse, uma foto preto e branco tirada por um fotógrafo badalado (mas, principalmente, meu querido amigo) e um recorde de likes, com os mesmos tabloides dizendo que aléxia hetka iniciou uma conversa importante (que também morreu ali mesmo).

eu acho que vou imprimir fotos das estátuas e pinturas renascentistas e colá-las em todos os meus espelhos. porque, porra, por esse ponto de vista, eu sou literalmente uma obra de arte. eu tenho o corpo perfeito. boticceli iria me seguir pela rua e me infernizar a vida até eu aceitar posar para ele. ma che cazzo, boti, sollo lo faccio se mi compra una pizza doppo.

ahh, agora desviei minha atenção para a pizza. aliás, quando peguei corona e perdi meu paladar, quase fiz um texto aqui sobre essa triste jornada. mas nunca faria um texto admirando a possibilidade de um abdômen trincado. amor é amor, né.

e aprender a amar seu corpo (apesar de que deveria ser natural) é uma revolução. então fica a dica aí pra você, que adora ir contra a família tradicional brasileira.

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